Fátima Alves-Alma sensível e Poetisa da Caatinga

Poesias e prosas(sentimentos à flor da pele)

Textos


Lembranças da nossa migração em 1970

Era o ano de 1970, eu tinha 06 anos de idade, nesse ano ainda chegou a chover, lembro que eu plantei o arroz, feijão e milho junto com meu pai. Mas a chuva parou antes da plantação frutificar, e aí as famílias ficaram sem ter o que comer, pois era a tão falada seca de 1970 que marcava mais uma vez a história do povo nordestino. Sem ter o que fazer, meu pai resolveu vender nosso sítio e com o dinheiro migrarmos para o Maranhão, porque mesmo lá sendo nordeste, na maior parte do estado sempre chove bem.
E aí, eu me lembro de ver meu pai vendendo as coisas da nossa casa, como: cadeiras , mesas cama e tudo que tínhamos. E nós todos ficamos triste pois íamos deixar nossa família e amigos para se jogar nessa aventura... Papai também vendeu as galinhas, porcos cabras, enfim, todos os animais. E depois de tudo vendido e doado, faltava o cachorro chamado Feroz, ele era meu amigo, brincávamos muito. Ele era um animal muito sabido. E ninguém quis ficar com ele, e meu pai disse que não podíamos levá-lo conosco. Então eu chorei muito... O cachorro ia ficar sozinho, sem lar e sem ter o que comer. Isso ainda me dói até hoje...
Estando tudo preparado, chegou o dia da partida, várias pessoas estavam lá em casa para se despedirem da gente. Na hora marcada chegou um caminhão de um homem chamado Zé Rosa, para nos levar até o Maranhão. Foi muito triste a nossa partida, todos choravam... Pois havia a possibilidade de nunca mais retornarmos. E assim, em meio a muita tristeza partimos ... E o cachorro Feroz, ficou abandonado, com certeza morreu de fome. E eu criancinha nada podia fazer, além de chorar e meu pai me acalentar. Depois de três dias de viagem chegamos no Maranhão, num lugar chamado Vitorino Freire, Lá não tinha o fantasma da seca, era tudo verde e belo. Meu pai, logo comprou um pequeno sítio e ali fomos morar.
No nosso sítio tinha vários tipos de fruteiras e isso para nós era um céu... Mas eu não conseguia esquecer minha família, nem o cachorro. Nesse lugar passamos 04 anos e eu vivi plenamente esse tempo da minha infância. O sítio era repleto de laranjeiras e tangerineiras, e eu brincava de casinha sobre os tapetes brancos e cheirosos no tempo da florada. Lá nossa casa era um casebre de taipa, coberto de palha, assim eram todas as casa dessa comunidade, inclusive a escola e a igreja. Eu tinha muitas amigas, mas não conseguia esquecer da minha família deixada aqui no RN. Foi nesse tempo que eu comecei a desenvolver o dom da poesia, pois lembro-me que todos os dias a gente ia no riacho lavar a roupa do bebê da minha mãe, e lá eu conversava com Deus de forma poética e também cantava cantigas que eu mesma inventava na hora... Eu já era uma poetisa e não sabia. De tanto que pedi a Deus ele atendeu as minhas preces... Meu pai vendeu o sítio, e retornamos rumo a nossa terra, mas antes de chegarmos no RN, meu pai decidiu que ficaríamos na Paraíba, onde o mesmo tinha uma irmã. E assim fez! Ficamos em Uiraúna na Paraíba, um lugar seco e de muita pobreza. Nossa vida ali foi um inferno na terra, nos faltou tudo, até a água, pois lá havia um chafariz onde a água era comprada. Papai além de agricultor, era mecânico, arrumava máquinas, fogões, rádios e outras coisas, e nós só não morremos de fome porque meu pai saia sem destino pelas comunidades procurando o que fazer e quando achava, a gente, digo, eu agradecia a Deus ...
Mas às vezes ele não encontrava trabalho e voltava sem trazer nada, nesses momentos eu falava com Deus e lhe questionava sobre a situação que estávamos passando e Ele renovava em mim a esperança... E Nesse horrível lugar passamos quase dois anos, nesse período minha mãe teve mais um filho e nossa situação ficou ainda mais complicada, pois não podíamos comprar o leite para o bebê. Porém nessa época Deus nos tirou dali e nos trouxe para o RN, para a cidade de Encanto, onde fixamos morada e a família aos poucos foi melhorando de vida, mas mesmo no Encanto, nós passamos fome e privações de tudo, toda vez que não tinha inverno. Nessa cidade minha mãe ainda teve mais 05 filhos, tendo morrido dois e pela graça de Deus se criado três. De encanto eu só saí depois de ter passado em um concurso para professora e ter me formado em Pedagogia. Tudo isso vivenciado. me fez sensível com a miséria do povo e há anos vivo escrevendo e publicando recortes dessa história...
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Maria de Fátima Alves de Carvalho – Poetisa da Caatinga
Natal, 04.11.2018
Foto de minha autoria
Maria de Fátima Alves de Carvalho
Enviado por Maria de Fátima Alves de Carvalho em 04/11/2018
Alterado em 30/09/2020
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