Lutando pelas suas raízes e desafiando o destino
Sou uma professora nordestina, filha de pais analfabetos e humildes camponeses, nascida em São Miguel, área serrana do RN. Logo cedo, minha família migrou para outro município, em busca de uma vida melhor e essa busca, nos levou a mudar para várias cidades do estado, inclusive para outros estados como a Paraíba e o Maranhão. Nessa longa e dolorosa caminhada sofremos muito, mas por perseverança íamos sempre conquistando a vitória, mesmo quando parecia não haver nenhuma chance de vencermos.
Mediante o enfrentamento de tantas barreiras para escalar e trilhas tão difíceis de serem caminhadas, a vida nos alimentou com várias culturas e nos ensinou a conjugar verdadeiramente o verbo viver, pois, fomos obrigados a provar dos seus sabores e dissabores. Convivemos com a fome. Centenas de vezes, tive que ir á escola sem nada ter comido e mesmo assim, ficava lá todo o horário. Era humilhante essa situação e o pior é que não podíamos nem reclamar, pois a escola no geral ainda hoje desconsidera a linguagem da alma. Nas turmas em que estudei sempre havia muitos alunos com o mesmo problema (a pobreza, a fome, o analfabetismo dos pais e enfim, o descaso social) e a evasão era grande. Depois falavam que aqueles alunos não gostavam de estudar e os culpavam pelos seus fracassos. Este fato sempre me inquietou e hoje, porém, vivo a desmistificá-lo.
A minha história, que não é só minha, (pois sei que muitos educadores viveram e venceram as mesmas dificuldades), tem muitas passagens tristes, mas que precisam ser contadas, não para servirmos de amostras para as mazelas do sistema dominante do país, mas para sermos referenciais de um povo que mesmo no anonimato, vive construindo mecanismos para mudar um destino que não foi lhe dado por Deus. Assumi essa bandeira e já venho contando páginas desta história há mais de duas décadas, desde quando ingressei no magistério. Hoje sonho em publicar um livro ou quem sabe, encontrar nas universidades uma base de pesquisa que tenha interesse em estudar a formação das identidades dos professores e professoras oriundos de famílias pobres e analfabetas que de alguma forma e por esforço próprio, se destacaram no cenário da comunidade educativa.
O breve relato triste que acabo de fazer compõe apenas uma simples página dos momentos que vivo a refletir e a escrever. No entanto, agora quero mostrar orgulhosamente para o meu país e em especial, para o meu Presidente Luís Inácio (Lula) nordestino e oriundo de família pobre como eu, de quem serei eterna admiradora,´(não estou me referindo ao partido, mas a competente e carismática liderança que ele é) que nos mais longínquos recantos do Brasil haverá sempre a força de alguns educadores que em prol do seu povo luta e faz de cada espaço onde pisa e convive, um lugar de esperança, paz e crescimento coletivo.
Há seguir recortes de uma história exitosa
Após ter passado por todas as dificuldades acima relatadas, aos 19 anos de idade concluí o magistério e alguns meses depois fui aprovada no primeiro concurso público para professor do estado do RN. Era início de 1984 e este momento foi sem dúvida o marco mais importante da minha vida. Enfrentei uma concorrência com pessoas de vários municípios, mas Deus me deu a graça de passar em 6º lugar. Fiquei infinitamente feliz e minha estrela que já brilhava, ficou bem mais forte. Nessa época morávamos na cidade de Encanto/RN e foi lá onde durante 7 anos, experimentei as alegrias e os desencantos de ser educadora. No final deste mesmo ano (1984) fui aprovada no no vestibular para Pedagogia da Universidade Estadual - UERN, momento de grande felicidade para toda a minha família.
Daí em diante, mesmo encontrando muitas dificuldades, pois vida de educadora não é fácil, colecionei tantas vitórias que não é mais possível fazer um relato de todas. Nesta pequena cidade, construí minha prática interdisciplinada com o mundo da Arte e deu muito certo. Os alunos adoravam e aprendiam com facilidade, os pais aprovavam e ficavam felizes com o sucesso dos seus filhos. A equipe da escola logo me fez reconhecer que eu tinha um talento especial. Era a forma que eu usava para ensinar as crianças e jovens a se apropriarem da linguagem alfabética (leitura e escrita). E assim fiquei conhecida na cidade como uma referência de professora em alfabetização.
Após trabalhar 07 (sete) anos na cidade de Encanto, eu sonhava alto, aquele mundo não bastava mais para mim. Aí, já estava casada e tinha um casal de filho. Mesmo assim, migrei com minha família para Natal, capital do nosso estado. Aqui chegando, comecei uma nova vida, cheia de dificuldades, mas em pouco tempo as vitórias foram conquistadas. Fui morar na periferia e vivenciar problemas até então desconhecidos. Da minha prática no interior recorri a Arte e foi minha salvação, o restante, tive que reinventar e ressignificar. Me senti na pele dos meus alunos, para só então poder lhes compreender. A minha identificação com o mundo da periferia foi muito rápida. Em pouco tempo fui reconhecida como liderança e passei por competência para a supervisão da escola. O fato de estar na supervisão me abriu várias portas. O meu trabalho que antes era somente na minha turma, criou asas e passou a disseminar sementes na escola toda. Logo tornou-se um trabalho coletivo.
Nesta função, enfrentei a rivalidade e a inveja de muitos colegas, tive que sair de algumas escolas porque não suportei essa situação. Em todas por onde passei, encontrei parceiros que aderiram ao meu ideal e juntos plantamos muitas sementes. Algumas já nasceram, cresceram e frutificaram . Há outras que ainda estão em fase de germinação e um dia com certeza brotarão.
A minha trajetória como educadora de periferia, me transformou em uma pessoa melhor, mais humana e mais justa. Fato este, que me levou a ir em busca de novas conquista para melhoria de minha prática pedagógica, bem como, da comunidade educativa. No ano de 2001, concluí uma especialização em Psicopedagogia (UFRN) em seguida, em 2003 em Psicomotricidade (UNP) e ainda em 2003, resolvi prestar concurso para ser professora da prefeitura de Natal. Fui aprovada, voltei a lecionar e me encontrei novamente em uma função que tanto me fascina e me traz felicidade. Mas não posso esquecer de ressaltar que sinto muito pela forma desumana em que muitas vezes somos tratados, pois ainda não há no poder público, instrumentos legais que ao longo de nossa carreira vá sendo usado de fato, em tempo hábil para compensar o desgaste causado por nossa profissão.
Para resumir minha magnífica experiência exitosa, minha e de todos os educadores que no decorrer de suas vidas, tiveram que enfrentar as tempestades e as altas ondas das marés de nossa sociedade, aí vai um pingo da minha pequena carreira como gestora de uma escola de periferia. E me orgulho em poder dedicar de coração a todos esses guerreiros anônimos.
Ao caminhar por cenários tão diversificados, a vida foi me fazendo mais forte, corajosa e sempre sonhadora. Até que um dia, em mais uma dessas mudanças de escolas, fui trabalhar na Escola Estadual José Vieira, localizada no município de São Gonçalo do Amarante, área considerada como integrante da Grande Natal. Esta escola fica na linha divisória dos dois municípios e isso gera um grande problema, pois a mesma é esquecida por São Gonçalo e as políticas das escolas estaduais da capital não há contemplam porque ela fica no outro lado da linha.
Após trabalhar durante 03 anos nesta humilde escola, já estava bem engajada na comunidade educativa, quando no ano de 2003, fui desafiada a abraçar uma luta por uma causa coletiva. No momento estávamos sofrendo terríveis pressões de uma gestão autoritária, sem qualificação adequada e indicada por políticos. Foi a parti deste fato que me senti motivada a formar uma chapa para participar das eleições para diretores. Daí em diante, comecei a mobilizar alguns educadores e no entanto, convidei uma colega. Ela aceitou e ficamos aguardando a implantação da conquista da gestão democrática para o nosso estado. O tempo passou rápido e em outubro de 2005, estávamos concorrendo com outra chapa e para nossa felicidade, fomos vencedora em todos os segmentos (pais, professores, funcionários e alunos).
Tomamos posse no final do mês de dezembro de 2005 em uma cerimônia simples, mas repleta de significado e valor histórico para mim e para o meu povo. Essa parte mexe muito com minha alma, estou chorando e não vou conseguir escrever muito, pois desde que assumi carregar esta bandeira, venho enfrentando os mais terríveis desafios. Uma escola de periferia é muito esquecida e desacreditada pelo poder público. É preciso lutar com muita garra para conseguir apenas uma pequena fatia do que é básico para o processo de ensino-aprendizagem. Estamos lutando além das nossas forças e conseguindo muito pouco. Isto é muito decepcionante, mas iremos em frente porque o nosso desejo de crescer e vencer é muito maior. Temos utopia e acreditamos na força coletiva.
Queremos ensinar e aprender vivendo bem melhor!
ESSE DIREITO É DE TODOS!!!
Enviado por Maria de Fátima Alves de Carvalho em 28/10/2008
Alterado em 23/09/2012