Sentindo na pele
O que tenho a escrever, pode ser importante para muitos gestores que atuam nas escolas públicas de periferias, nas quais, os educandos, mergulhados em problemas de natureza multifatorial, na maioria das vezes enraizados no seio estrutural do país, deixam de serem ouvidos. No entanto, fica difícil de perceber o grito, o pedido de socorro, quando os educadores estão em lado oposto, pois a força do vento destorce o som ecoado. Estou escrevendo este desabafo, porque tive o destino ou quem sabe a sorte, de vivenciar na pele, a pintura dolorosa deste quadro. Um dia fiz parte desta estatística desumana e vergonhosa do nosso país. E para sair deste quadro borrado, foi preciso percorrer um caminho entre muitos labirintos, onde os mais fracos iam aos poucos sendo eliminados.
Tendo sobrevivido e saindo com poucas sequelas, juntamente com os meus familiares, considero-me vitoriosa e ao mesmo tempo, referência para os que sofrem dos mesmos males que experimentei e digeri. E neste caso, preciso contar para muitos, o que de fato vivi sem querer viver.
nasci em uma família analfabeta, quanto a aquisição da leitura e da escrita. Vivíamos na roça ( no campo) e éramos donos do pedaço de terra em que morávamos e trabalhavamos. Tínhamos mecanismos de auto-sustentação, mas faltavam ações sócio-políticas no país, no sentido de melhorar a vida das pessoas da região do semi-árido. Sem políticas de cidadania, não tínhamos escolas, atendimento médico, remédios e nem vacinas etc. E o mais grave acontecia quando a seca assolava a região. Nesse período, chegava o fantasma da fome e das doenças e eram monstruosos. Aí, tudo o que podiámos fazer, era lutar na esperança de vencer ambas. As perdas eram constantes e muitos perdiam o direito de viver. Neste cenário, tudo era considerado normal. Era o destino, nasceram para logo cedo virarem anjos, irem morar no céu e lá intercederem por todos. Era essa a crença que nos acalentava.
Muitos dos meus irmãos e outros familiares, viraram anjos e até hoje, eu ainda gostaria de ter essa esta crença, pois ela é muito conformadora, nos engana, acalenta e alivia as dores causadas pelas mazelas sociais do sitema dominante de nosso país. Acho que assim, sofríamos menos. Um dia, o indesejado sarampo bateu as portas da nossa comunidade, lembro-me de dois colegas que viraram anjos e voaram para o céu. Na minha casa, este mal pegou todas as crianças e entre todas, o caso mais grave foi o meu. quase morri, fiquei com asma e até hoje, convivo com esta doença.
Finalizo o meu relato, pois, mesmo havendo tanto para ser contado, acho que já contei o bastante para que a sensibilidade, possa estar também na sua pele. Se você é educador, reflita sobre essa questão.
Carvalho/2007
Texto publicado em 14.06.07 no Blog da Escola de Gestores da UFRN
Maria de Fátima Alves de Carvalho
Enviado por Maria de Fátima Alves de Carvalho em 26/05/2008
Alterado em 29/05/2010